Uma página esquecida da História de Portugal
[sobre este assunto podem ler também aqui]
Uma pequena advertência que naturalmente se impõe.
Embora os casos das diversas diligências frustradas da imigração ou tentativa de colonização do planalto de Benguela, no então território português de Angola (iniciativas essas cujos começos antecederam a própria Declaração Balfour), pela parte dos Judeus, possam parecer algo deslocadas do tema central deste livro, o autor não quis deixar de abordar neste trabalho essas situações que já fazem parte integrante da história política e diplomática – de Portugal e do povo judeu – mas que a maioria dos portugueses lamentavelmente ignora que existiram. Focamos este assunto impelidos pelo óbvio interesse histórico que ele, realmente, merece.
A maioria dos portugueses ignora, de facto, que Angola no seu passado, e quando ainda era uma terra portuguesa, esteve na calha para receber largos contingentes de colonos judeus. Toda esta história tem o seu começo durante a Primeira República Portuguesa, no ano de 1912, dois anos após a implementação da dita em 5 de Outubro de 1910, e prosseguirá durante os anos 30 e 40, ou seja, antes e durante o trágico decorrer da Segunda Guerra Mundial de 1939-1945.
Tal projecto contemplava a colonização, pela parte dos Judeus, de uma determinada parcela no planalto de Benguela, em Angola, cujo tamanho seria cerca de 45.000 quilómetros quadrados. Depois dessa aprovação, o citado decreto tinha apenas que ser incorporado na Constituição. Todavia, a Jewish Territorial Organisation (Organização Territorialista Judaica), um organismo judaico criado para a pesquisa de um refúgio para o povo judeu, não esteve de acordo com o Projecto Bravo, que lhe foi apresentado na cidade de Viena, na Áustria, entre os dias 27 e 30 de Junho de 1912.
As razões apresentadas pela citada Jewish Territorial Organisation foram que as concessões dadas por Portugal eram, no seu entender, diminutas. Fizeram igualmente reparos negativos às condições económicas que reduziam as doações de terrenos somente para colonos judeus individuais, o que não permitia fortes investimentos colectivos, ou empresariais pela parte das
grandes sociedades financeiras judaicas. Mas, sobretudo, a Jewish Territorial Organisation, queria que Portugal lhes concedesse o direito de lá constituir uma área para a construção de «uma mova pátria judaica» o que, obviamente o governo português sempre rejeitou, até porque o primeiro artigo do referido projecto, que um pouco mais tarde viria a ter a designação de 200 B, estipulava desde logo que os colonos judeus se deviam tornar portugueses para assim poderem usufruir da posse dos terrenos.
Está bom de ver que o interesse das organizações judaicas em Angola residia no facto de um eventual assentamento de uma colónia judaica nesse território da África ocidental portuguesa ser passível de uma concessão do governo de Lisboa que lhes permitisse lá a instalação de uma zona com autonomia política, económica e administrativa própria, coisa que, evidentemente, era absolutamente incompatível com a soberania portuguesa. Além disso o mesmo documento parlamentar reafirmava o princípio inalienável do português como língua oficial das escolas e de todos os documentos oficiais e públicos que viessem a ser usados pelos judeus ali instalados. Isto para evitar aquilo que já em 1910, o então presidente da Câmara (Kaymakam) de Nazaré, durante a dominação do Império Turco Otomano, escreveu:
...Os judeus não convivem absolutamente nada com os otomanos; não lhes compram nada. Possuem um banco especial... Em cada aldeia e em cada colónia fundaram uma comissão central e uma escola... Os judeus possuem também uma bandeira azul com a Estrela de David no meio... Hasteiam essa bandeira em lugar da bandeira otomana... Quando os Judeus se dirigem às autoridades administrativas declaram que se encontram inscritos nos registos otomanos (isto é: que são súbditos otomanos), mas trata-se de uma mentira e de um embuste... (1)
ainda funcionar uma espécie de seguro social... (2)
alternativa à Palestina, dado nessa altura estarem em curso rigorosas restrições (impostas pelas autoridades britânicas) à imigração judaica para essa região do Médio Oriente. (3)
Todas estas movimentações acabaram por chegar a um jornal inglês, o Daily Herald, que publicou em 30 de Abril de 1934 um artigo intitulado:
Nova casa para 5.000.000 de judeus. Projecto de acordo para o Oeste de África. Portugal
oferece-se para dar terra.
Perante o assomar de todas estas notícias postas a circular, o governo português pronta e categoricamente as desmentem, quer perante a agência noticiosa Reuter, quer perante o jornal judaico Jewish Chronicle.
Em todas estas complexas movimentações conducentes à instalação de judeus em Angola, foi também referenciada, em 1938, a presença em Lisboa do escritor judeu alemão Stefan Zweig, isso como representante da Freeland League Jewish Territorial Colonization (Judeus em Portugal durante a II Guerra Mundial – Em fuga de Hitler e do Holocausto, Irene Flunser Pimentel, A Esfera dos Livros, pág. 87).
Precisamente no ano em que tudo isto decorria, aconteceu, em França (Julho de 1938) a Conferência de Évian (4), especialmente marcada para proceder ao estudo sobre a questão dos judeus residentes em vários territórios. Estiveram lá presentes trinta e um países, mas nenhum se mostrou verdadeiramente interessado em aceitar judeus nos seus territórios. Foi nesse encontro internacional que, apesar de tudo, nasceu uma nova organização, isto é: a Comissão Intergovernamental, conhecida pelo acrónimo de I.G.C. (5). Esta entidade, presidida por Sir Herbert Emerson, viria a ter contactos com as autoridades nacional-socialistas do III Reich, conducentes ao abandono do território alemão por centenas de milhares de judeus.
Nos finais de Outubro de 1938 o próprio governo hitleriano mostrou concordância em negociar com a IGC, tendo em Dezembro desse mesmo ano se deslocado a Londres, com esse objectivo, o presidente do Banco Central Alemão, Hjalmar Schacht. Tal programa de saída de judeus da Alemanha teria que se processar em várias etapas e ser precedido de uma compensação financeira para o III Reich. Estas negociações falharam porque os Alemães e a outra parte interessada nunca chegaram a um acordo financeiro que fosse satisfatório. Na realidade os Alemães exigiram verbas fabulosas.
Centro de Historia da Universidade de Lisboa, vol. 6, 1987-1988, págs. 79-105.
Continuando sobre este assunto, ver A colonização judaica em Portugal e nas colónias: um israelita russo, membro do Conselho de Estado e do Supremo Tribunal de Moscow, veio expressamente a Lisboa tratar do assunto, jornal A Capital, Lisboa, 20/5/1912, e o livro de Jorge Martins, Portugal e os Judeus (Volume III), editado pela Documenta Histórica (Série Especial), Nova Veja, Lda, capítulos 1.3. Projectos sionistas em Portugal, 13.1 Theodor Herzl e o projecto da colónia judaica em Moçambique, 1.3.2. O projecto republicano de colonização judaica de Angola, págs. 67-80.
pesou sempre em última análise a razão de eles serem alemães e constituírem um factor perigoso a ter em devida conta.
e colonizar domínios ultramarinos e de civilizar as populações indígenas que neles se compreendam, exercendo também a influência moral que lhe é adstrita pelo Padroado do Oriente.
António José dos Santos Silva
(um excerto do seu livro Medinat Yisrael e Palestina – Raízes e razões de um conflito)
(2) – Dossier do Conflito Israelo-Árabe, Editorial Inova Limitada, págs. 66-77.
(3) – Convém igualmente mencionar que, mais tarde, Roosevelt teve também em mente fazer um pedido ao governo português para a instalação de judeus em Angola. Foram estas ideias (e outras) de activa solidariedade à causa judaica, que teriam motivado um senador americano, que teve uma conversa com o presidente Roosevelt, a afirmar: «sinto que o presidente será o novo Moisés que conduzirá os filhos de Israel para fora do deserto.» (Palestine Post, 6 de Março de 1944). Embora, se sinta, que essa afirmação possa estar em contradição com o queefectivamente Roosevelt tinha na ideia, ou seja: este não sugeria uma instalação de judeus no território da Palestina... antes concretamente em Angola.
(4) – Não confundir a Conferência de Évian, que aqui neste livro é referida, com os célebres Acordos de Évian, firmados em 18 de Março de 1962 entre a França do general Charles de Gaulle e os rebeldes argelinos da FLN-Frente de Libertação Nacional (guerra da Argélia – 3 de Novembro de 1954 a 3 de Julho de 1962), que conduziria a nação argelina à independência. A citada Conferência de Évian herdou o nome da pequena localidade francesa de Évian les-Bains.
(5) – Portugal recusou sempre participar nos trabalhos da IGC subsequentes à Conferência de Évian, já que o governo português não tinha sido convidado para assistir à mesma e, como tal, afirmou, não fazia sentido que fosse convidado «para executar medidas em cuja elaboração não tomamos parte e de que não tínhamos conhecimento.»
(6) – Outra relevante entidade judaica que prestou activa assistência aos refugiados judeus que aportaram a Portugal, antes e durante os duros anos da Segunda Guerra Mundial foi o CIL (Comunidade Israelita de Lisboa). Foi presidida pelo judeu sefardita português, o economista Moisés Amzalak (amigo e colega de António de Oliveira Salazar na Universidade de Coimbra), tendo como vice-presidente outro judeu sefardita português, o médico Elias Baruel. Outro importante dirigente foi Samuel (Sam) Levy. O apoio financeiro dos judeus americanos do Joint foi fundamental para esta estrutura ter podido funcionar da forma mais proficiente. Para saber mais sobre o CIL consultar o sítio na net http://www.cilisboa.org/
(7) – Designação do Ministério dos Negócios Estrangeiro do Reino Unido.
0 comentários:
Enviar um comentário